quinta-feira, 27 de março de 2014

CNJ autoriza estrangeiro em cadastro para adotar no Brasil

24/03/2014 10h21 - Atualizado em 24/03/2014 12h19

 

Objetivo é facilitar a adoção de crianças mais velhas e grupos de irmãos.
Hoje, 98% dos brasileiros querem filho adotivo com menos de 7 anos.

Mariana Oliveira Do G1, em Brasília
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O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou em sessão nesta segunda (24) uma resolução que permite que estrangeiros ou brasileiros residentes no exterior sejam incluídos no Cadastro Nacional de Adoção (CNA). O objetivo é aumentar as adoções de crianças mais velhas e de grupos de irmãos. A regra passa a vigorar a partir da publicação no "Diário de Justiça Eletrônico", o que ainda não tem data para ocorrer. A expectativa é que seja nos próximos dias.
O texto foi preparado após consenso entre especialistas da área e mais de um ano e meio de discussões – uma portaria da Corregedoria do CNJ de 2012 instituiu o grupo de trabalho sobre o tema.
Atualmente, os estrangeiros não fazem parte do Cadastro Nacional de Adoção. Para adotarem um brasileiro, eles devem esperar que a criança não seja escolhida pelo cadastro nacional. Só aí é que os juízes dos tribunais estaduais liberam para adoção internacional. Ao permitir que estrangeiros também possam participar do cadastro, o CNJ pretende  agilizar o processo e o torná-lo mais transparente.
 
O CADASTRO NACIONAL DE ADOÇÃO
Crianças disponíveis para adoção: 5.440
Por raça Brancas - 1.763
Negras - 1.033
Pardas - 2.594
Amarelas - 25
Indígenas - 31
Por idade Menos de 1 ano - 8
1 ano - 40
2 anos - 59
3 anos - 91
4 anos - 99
5 anos - 89
6 anos - 148
7 anos - 146
8 anos - 197
9 anos - 288
10 anos - 320
11 anos - 405
12 anos - 458
13 anos - 555
14 anos - 569
15 anos - 593
16 anos - 628
17 anos - 567
Pretendentes à adoção: 30.424
Estado civil Casado - 23.639
Divorciado ou separado - 762
Solteiro - 2.618
União estável - 3.174
Viúvo - 231
Faixa etária 18 a 20 - 11
21 a 30 - 1.007
31 a 40 - 10.392
41 a 50 - 13.011
51 a 60 - 4.341
Mais de 61 - 928
Já têm filhos biológicos? Sim - 7.335
Não - 23.089
Aceitam crianças da raça: Branca - 27.772
Negra - 12.219
Parda - 20.534
Amarela - 12.905
Indígena - 12.009
São indiferentes à cor - 12.929
Aceitam crianças da idade: 0 - 4.335
1 ano - 5.530
2 anos - 6.124
3 anos - 5.950
4 anos - 3.501
5 anos - 3.287
6 anos - 1.284
7 anos - 617
8 anos - 305
9 anos - 121
10 anos - 228
11 anos- 49
12 anos - 79
13 anos - 26
14 anos - 20
15 anos - 24
16 anos - 11
17 anos - 43
 
Aceitam adotar irmãos: Sim - 5.928
Não - 24.496
 
Fonte: Cadastro Nacional de Adoção (CNA) - março/2014
(*) Eventuais diferenças entre o número total de crianças e de pretentendes com os dados detalhados são fruto de dados indisponíveis no cadastro
Dados atualizados do cadastro nacional mostram que há mais de 30 mil pretendentes – casais ou solteiros – a adotar e 5,4 mil crianças disponíveis para adoção.
Isso poderia indicar que todas as crianças serão adotadas, mas a realidade é outra.
Cerca de 98% dos pretendentes à adoção no país querem crianças com menos de 7 anos de idade. Só que as crianças nessa faixa etária são menos de 10% das disponíveis para a adoção. A grande maioria dos que procuram um lar são crianças e adolescentes entre 9 e 16 anos.
Outro dado relevante: 75% das crianças e adolescentes que esperam ser adotados têm irmãos também disponíveis para adoção. E a Justiça sempre busca que eles sejam adotados juntos para não perderem o vínculo familiar. Entre os pretendentes, 80% querem adotar uma única criança.
Para o conselheiro do CNJ Guilherme Calmon, que coordena o grupo de cooperação jurídica internacional do conselho, a relação entre crianças disponíveis e pretendentes no cadastro "não encaixa".
Segundo ele, a inclusão de estrangeiros visa permitir que mais crianças tenham uma família.
"As crianças mais velhas, grupos de irmãos, estão num perfil daqueles que não são procurados. Temos pretendentes, temos crianças, mas isso não encaixa. E o perfil de criança que o estrangeiro quer adotar não é o mesmo do pretendente nacional", diz Calmon.
Ele ainda destaca que os procedimentos para adoção internacional preveem análise detalhada do perfil do pretendente, mas acrescenta que a preferência para adotar continuará a ser do brasileiro.
"A adoção internacional é exceção da exceção. O ideal é que a criança fique na sua família natural, e a adoção já é uma exceção. Mas verificamos que o cadastro não serve para a adoção internacional. Então, precisamos atualizar para permitir que mais crianças sejam favorecidas. Temos inúmeros casos de crianças que não são adotadas, ficam mofando nos abrigamentos, e chega uma idade que ninguém mais quer saber de adotar", destaca Calmon.

Governo federal apoia
Para adotar uma criança, o estrangeiro atualmente se habilita em seu país em uma entidade credenciada pela Autoridade Central Administrativa Federal (Acaf), ligada à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
O pretendente passa por preparação, envia a documentação para as Comissões Estaduais Judiciárias de Adoção (Cejas), que tentam localizar as crianças. Depois que o juiz analisa o caso e eventualmente concede a adoção, é iniciado o procedimento de emissão de passaporte para a criança ou adolescente. O casal estrangeiro ou residente no exterior precisa ficar um mês com a criança no Brasil sob supervisão. A Acaf acompanha a adoção por mais dois anos.
Segundo o coordenador-geral da Acaf, George Lima, em 2013 cerca de 300 crianças foram adotadas no Brasil. Os principais destinos foram Itália e França. Lima diz que o governo aprova a inclusão dos estrangeiros no cadastro nacional.
"A criança, quando vai para adoção, passa por um processo de destituição do poder familiar. O  juiz tem muita cautela para dizer que ela não pode voltar à família natural. Isso demora. Acontece que, muitas vezes, a criança vai para um abrigo, demora a destituição do poder familiar, e ela fica disponível para adoção no cadastro e só depois vai para adoção internacional. Não queremos incentivar a adoção internacional, mas sim fazer com que mais crianças tenham uma família."
Não queremos incentivar a adoção internacional, mas sim fazer com que mais crianças tenham uma família"
George Lima, coordenador-geral da Acaf, órgão do governo federal que credencia entidades para adoção internacional
Para George Lima, é uma questão cultural o fato de estrangeiros se importarem menos com a idade.
"Na adoção nacional, ainda se tem aquela ideia de tornar o filho adotivo como biológico, omitindo a adoção. Tendem a fazer isso, procurando criança pequena e da mesma cor, para elas não terem lembrança da adoção. Mas isso vem mudando, e o governo vem atuando para mudar essa cultura."
Especialistas preveem melhorias

 A advogada Nádia de Araujo, especializada em direito  internacional e que atua na área de adoção, concorda que os estrangeiros são "mais abertos" que os brasileiros.
"Acho que vai dar transparência para a adoção internacional e facilitar a adoção de crianças cujo perfil os casais residentes no Brasil não querem", destaca Nádia.
Presidente da Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção (Angaad), Suzana Schettini destaca que a partir de agora será possível saber onde os estrangeiros adotam as crianças.
"Ficava sempre na obscuridade. Isso vai conseguir dar transparência e permitir o cruzamento de dados. Os estrangeiros são mais abertos a grupo de irmãos e até crianças com deficiência. É bom e é necessário incluir os estrangeiros no cadastro."
Os estrangeiros são mais abertos a grupo de irmãos e até crianças com deficiência. É bom e é necessário incluir os estrangeiros no cadastro"
Suzana Schettini, presidente da Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção (Angaad)
Especialista na área de adoção, o desembargador do Tribunal de Justiça de Pernambuco Luiz Carlos Figueirêdo participou dos debates no CNJ e concorda que a medida será "extremamente positiva".
Ele destaca que, antes do cadastro nacional, não se tinha informação sobre se o estrangeiro era ou não favorecido ante brasileiros. O número de adoções internacionais em Pernambuco, afirma o desembargador, era elevado. Depois do cadastro, as adoções caíram drasticamente. Por isso, ele defende um "meio termo".